"Mais tarde porém, quando ele foi viver para a Revolução e quando de lá me enviou esparsas cartas e alguns absurdos presentes pelo Natal ou pelos meus anos, julguei perceber que a sua distância era apenas o reflexo e a medida do sofrimento dele pela morte da que fora sua mulher. Imaginei que, quando me olhava, via em mim o olhar dela, ouvia na minha voz a voz dela, nas perguntas que eu fazia reconhecia a maneira de pensar dela, e tudo isso lhe trazia de volta quem, por necessidade de sobrevivência, ele decidira deixar morta para sempre. Porque hoje eu sei que só morrem verdadeiramente aqueles que, depois de mortos, nós conseguimos matar também. E nada é pior que um morto-vivo, habitando lado a lado com os que não morreram e tiveram a coragem de tentar viver para além da morte dos que amavam."
Madrugada Suja
Miguel Sousa Tavares
Sem comentários:
Enviar um comentário